O taekwondo é uma modalidade acíclica e intermitente, e os estudo de suas características temporais já são conhecidos e bem documentados na ciência, mas recentemente a WT (Federacao mundial de Taekwondo) alterou algumas regras da modalidade tornando as lutas mais dinâmicas e atrativas ao público.
O fato é que nos esportes, a mudança de regras reflete diretamente na conduta das equipes e na forma como elas passam a conduzir suas rotinas de treino, tanto os físicos como os técnicos, a fim de se adaptar rapidamente as regras, e se possível, ter alguma vantagem sobre o adversário.

A Olímpiada de Tokyo encerrou e alguns meses após as mudanças foram divulgadas, e desde então as equipes de alto rendimento vem se adaptando em meio a
um cenário ainda novo e obscuro para toda a comunidade taekwondista, onde as equipes estão buscando entender quais valências serão ou não vantajosas de se trabalhar.
Para isso é muito importante entender quais são as variáveis pertencentes a modalidade, ou seja, entender o contexto em que a modalidade se inclui, as variáveis primárias a serem trabalhadas e o impacto disso em uma competição.
O taekwondo é uma modalidade que possui uma relação de esforço e pausa (E:P) que
vai de 1:3 a 1:7, ou seja, em ritmo mais intenso as lutas apresentam um pace (intensidade da luta) onde um terço do tempo é esforço para 2 terços do tempo de movimentações, fintas e pausas para a atuação da arbitragem, e a mesma dinâmica
ocorre para a relação 1:7 para lutas menos intensas por exemplo.
O ponto é que a mudança de regra atualmente obriga os competidores a realizarem uma ação em média a cada 5 segundos (3 segundos é dado o comando de “fight”, caso não haja ação nos próximos 3 segundos é aplicada a falta por falta de combatitividade), tornando as lutas mais intensas, aumentando também a interação
entre os lutadores o que exigirá um alto desempenho físico para suportar a intensidade imposta pelo adversário por conta da regra.
Para elucidar ainda mais essa discussão, vamos voltar em 2011 onde os dados mostram que o ritmo das lutas eram 1:3 a 1:4, ou seja, mais intensas do que a regra
passada (vigente até 2021), isso reforça o quanto as regras impactam diretamente no
andamento do combate, no comportamento dos atletas e consequentemente no
planejamento das comissões.
Pudemos experimentar no Campeonato Pan-Americano que ocorreu entre os dias 3 a 5 de maio desse ano, a aplicação dessas novas regras e acredito que ficou claro o quão intensa as lutas passam a ser, tornando o pace de luta mais intenso em relação a qualquer regra já vigente.
Outra capacidade que recebe papel de destaque a bastante tempo não só na modalidade, mas nos esportes em geral é a potência muscular, produto da forca e da velocidade essa capacidade segue sendo primordial nos esportes de combate, mesmo com todas as alterações no regulamento não perdeu sua relevância, pelo contrário, somente aumentou.
Uma mudança importante que impacta a preparação física dos atletas e deve ser destacada são as ações dentro do clinch, que atualmente obrigam os atletas a
terem ações ofensivas não podendo mais se manter de forma passiva nessa condição,
já na regra passada o clinch de forma passiva era tolerado sem penalidade.
Portanto a resistência de força muscular será muito utilizada em meio as disputas de espaço no clinch, além dos empurrões para encontrar brechas para chute e toda a ação por busca
do ponto exigira uma alta resistência muscular.
Devido a luta estar mais continua, habilidades como coordenação, agilidade
(para se deslocar e controlar distancias), reação e tomada de decisão (para responder
rápido a ataques ou realizar contra-ataques) passam a ter um maior grau de importância dentro dos combates, afinal as trocas de golpes serão cada vez mais intensas.

É importante lembrar que a demanda do metabolismo anaeróbio dentro do
taekwondo é bastante alta também e contribui muito para o bom desempenho dentro
da modalidade, porém não podemos esquecer da participação do metabolismo
aeróbio na recuperação muscular nos intervalos de descanso, ou seja, trabalhar ambos os sistemas metabólicos para obter melhores resultados no desempenho parece ideal.
Portanto as novas regras irão exigir muito fisicamente (metabólica e muscularmente) dos atletas, tanto nas trocas de chutes como no clinch ou até mesmo nos constantes deslocamentos a fim de manter o controle da distância.

Assim sendo treinamentos voltados para o aumento da resistência muscular, potência
muscular, reação, tomada de decisão e potência anaeróbia podem tornar um
planejamento esportivo mais assertivo, não que as outras capacidades não sejam
importantes ou não devam ser trabalhadas, mas algumas capacidades carecem de
mais atenção a partir de agora.
O uso de dispositivos tecnológicos para mensurar essas variáveis estão cada vez
mais acessíveis no mercado, e relatórios cada vez mais complexos cruzam dados em
segundos e trazem uma gama enorme de informações para auxiliar as equipes em suas
tomadas de decisões, por esse motivo utilizar a tecnologia a favor da ciência esportiva
é imprescindível em um esporte que muda constantemente como o taekwondo.
Por fim, os esportes olímpicos passam por constantes ajustes nas regras e esses podem ou não impactar a modalidade, cabe aos profissionais identificarem e
caracterizarem da forma mais assertiva possível alterando se necessário o planejamento dos seus atletas, buscando cada vez mais desenvolver uma melhor
performance esportiva.
Ariel Roberth Longo
Preparador Físico de Atletas Olímpicos
Mestrando Universidade de São Paulo – USP
Foto: Sekretev.