A Federação Mundial de Taekwondo voltou a fazer alterações ao regulamento de competição de Kyorugi. Estas são, sem dúvida, as alterações mais substanciais ao regulamento de competição da última década, alterando o sistema do jogo nas componentes estratégicas e da publicação de pontuações, procurando atrair um público maior, com uma maior facilidade de entendimento dos resultados, por parte do público comum, que não é conhecedor profundo da nossa modalidade.

Antes de nos debruçarmos sobre as novas regras e como estas impactam a modalidade, é importante olhar para a história da modalidade e entender os motivos por detrás disto.

Se olharmos para o histórico das regras e das vezes em que estas foram alteradas, vamos ver que entre a criação das mesmas em 1973, só foram alteradas 7 vezes nas primeiras duas décadas, introduzindo mais equipamento de proteção para os atletas e os marcadores eletrónicos, no entanto, nas últimas duas décadas foram alterados os mesmos regulamentos 18 vezes, tendo a maioria sido nos últimos 10 anos, depois da introdução do Video-Juri e dos Equipamentos de Proteção e Marcação (PSS sigla em inglês), para os Jogos Olímpicos de Londres.


Estas alterações prenderam-se com a incapacidade dos diversos sistemas disponíveis em reconhecer os pontapés mais tradicionais e abrindo espaço para a criatividade dos jogadores, que buscaram e encontraram formas de pontuar mais precisas e mais rápidas.

Estas técnicas “novas” e como estas mudaram profundamente o estilo de combate, desde as distâncias, às velocidades, das posições base à frequência de pontapés utilizados, trouxeram uma dinâmica diferente ao Taekwondo Olímpico, favorecendo os desportistas de somatótipo ectomórfico, mais altos, mais longilíneos.


No sentido de combater as constantes alterações e a descaracterização da nossa modalidade, a Federação Mundial contrabalançou com alterações regulamentares. Os pontapés ao colete, que não transmitiam potencia e não existem no currículo marcial, foram banidos em 2015, e nos anos seguintes foi introduzida a possibilidade de empurrar o adversário sem sermos penalizados, abrindo outra “caixa de pandora” em que os jogadores conseguiam ganhar imensos pontos sem marcar nenhum pontapé, apenas com recurso ao soco e a empurrar o oponente para fora de área. Abriu também a possibilidade de se agarrar e jogar com pontapés à cabeça, precedidos de técnicas sujas, colocando os adversários em situações vulneráveis.


As novas regras, em que para ganhar o jogo é preciso ganhar dois de três assaltos, empurra os desportistas para um primeiro assalto mais dinâmico. Afinal de contas, se eu perder o primeiro assalto, vou ter que trepar para fora de um buraco maior, colocando imensa pressão no jogador que perde o primeiro assalto, em contrapartida, o desportista que ganha o assalto fica numa situação mais confortável.

Os combates disputados com estas alterações são mais rápidos, com maior interesse para quem assiste. As novas limitações no “clinch” permitem um jogo mais rápido, com mais troca de ações entre os dois desportistas, removendo na prática a possibilidade de empurrar o adversário apenas pelo ato de empurrar.
Na minha opinião, as grandes alterações que necessitam ser feitas passam pelo desenvolvimento da tecnologia. Os PSS foram criados para trazer justiça desportiva, não para alterar profundamente a forma como jogamos.

Quando a tecnologia estiver desenvolvida corretamente, a modalidade voltará a ter o dinamismo que a caracterizou durante décadas, no entanto, a nossa função como treinadores é preparar os desportistas para o exercício do Taekwondo moderno, com as alterações que as novas regras colocam na fisiologia e capacidades motrizes dos nossos jogadores. Sobre isso, é necessária uma reflexão maior e mais profunda sobre as alterações introduzidas e como estas afetam o nosso trabalho, desde a prescrição de treino à captação de talentos.

César Valentim

Mestre César Valentim tem mais de 30 anos de Taekwondo e nas últimas duas décadas trabalha com alto-rendimento, tendo acompanhado várias Equipes Nacionais. Hoje vive na Áustria e gere um Centro de Alto-Rendimento privado em Viena. É graduado em Preparação Física pela BSPA Graz e é o Treinador de Kyorugi da Universidade de Viena.

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